Eu sou contra ou a favor do aborto? Não sei e não me interessa. Pelo que sei os homens não deveriam opinar sobre esse assunto, a não ser que estejam diretamente envolvidos.

Como eu sou um homem homossexual, que não quis nem quero ter filhos, e como as pessoas com quem me relaciono sexualmente não correm o risco de engravidar, assim como eu mesmo, esse tema na verdade nem me interessa. Tenho coisas mais importantes em que pensar na vida.

Também não penso que o Estado devia se meter nesse assunto. Deveria ser uma coisa a ser decidida pela mulher e somente por ela, que deveria ter liberdade sobre o seu corpo.

O argumento religioso tampouco é válido. Grande parte das religiões também proíbe o relacionamento sexual entre pessoas não casadas. Se isso realmente fosse levado a sério, muitos dos casos de potenciais abortos seriam evitados, visto que sem sexo em regra não há gravidez. E não é novidade para ninguém que a maior parte dos fetos que são abortados são resultado de relações sexuais entre pessoas não casadas.

Não quero ser moralista de modo algum. Quando me perguntam se sou contra ou a favor do aborto, digo que não sei e que esse assunto não me diz respeito, pelas razões que já abordei. Mas também digo que as pessoas, neste caso as mulheres, deveriam ser livres para fazer do seu corpo o que quisessem.

Quem é contra o aborto tem a opção de não abortar. O mundo seria um lugar muito melhor se esses bastiões da moral e dos bons costumes cuidassem das próprias vidas e deixassem os outros em paz.

Somos todos a favor da civilidade, da liberdade, do desenvolvimento do país. Só esquecemos que esse desenvolvimento envolve liberdade e que, em países ditos desenvolvidos, o aborto é livre há muito tempo.

Esse é o tipo de coisa que os diretamente envolvidos deveriam decidir de forma particular e adulta. Mas não somos realmente adultos nem livres se permitimos que o Estado e outros indivíduos se metam nas nossas vidas privadas, para dizerem o que devemos fazer de nossos corpos e de nossas vidas.

“Se os homens parissem, o aborto já seria legalizado no mundo há muito tempo”. Não sei quem disse essa frase. Sei que ela é verdadeira e que… caralho, não sei mais o que escrever.

Antes de me sentar aqui estava cheio de assunto, agora me deu um branco tão medonho que não consigo concatenar um argumento decente nem uma linha de pensamentos coerentes.

Ontem vi “Bridgerton”. E talvez já possa dizer aqui que não gostei. Pronto, falei. Muita gente no mundo todo está louco pela série. Eu também estava e posso dizer que adorei os figurinos, mas não gostei exatamente da história.

Penso que a lenga lenga, o vai não vai entre os protagonistas se estendeu demais. Tudo bem que se trata de uma obra de época, que se passa entre a aristocracia britânica do início do Séc. XIX, mas que enrolação. Oito episódios de desencontros e de enrolação para acontecer o óbvio.

Os roteiristas tomaram muitas liberdades na história, como criar toda uma aristocracia bastante diversa, com asiáticos, brancos, negros, e penso que foi muito feliz essa escolha, ainda mais dado o fato de que ninguém questiona isso em momento algum, o que deveria ser o normal, a regra, o comum.

Ninguém pergunta o porquê de a rainha ser negra, ou de haver um duque negro, nada disso, o que é maravilhoso, do ponto de vista da idealização. Infelizmente ainda estamos muito distantes desse tipo de mundo. Penso que ele jamais existirá. A própria ideia de aristocracia é uma coisa ultrapassada. Pessoas em posições ultraprivilegiadas só porque “deus quis, deus assim o escolheu, deus determinou”, bah!

Mas mesmo num mundo onde não há aristocratas, todos sabemos que não existe essa igualdade em lugar algum do planeta e que jamais o haverá. E não é só uma questão de cor de pele, senão algo muito mais profundo, especialmente em países de tradição escravocrata como o nosso.

Trezentos anos escravizando pessoas. Essa é uma ferida que jamais cicatrizará nem em nosso século nem em tempo algum. Simplesmente isso não vai acontecer. A quem pensa o contrário, sugiro uma visita a uma das favelas de São Paulo, Rio de Janeiro ou de qualquer outra grande cidade brasileira. Depois me digam quantas pessoas com traços e ascendência realmente branca havia lá.

Eu mesmo, que não sou exceção quando se trata de pobreza, tenho a pele clara, mas traços bem característicos de miscigenação. Ou seja, embora pareça branco à primeira vista, jamais o fui. Muito menos tive qualquer dos privilégios reservados à elite branca brasileira. Mas não é de pobreza que quero falar. Não da minha.

Antes de Bridgerton eu assisti a uma novela colombiana, “Café com aroma de mulher”. Todos os personagens principais da obra são interpretados por atores brancos de olhos claros. Há apenas um negro na história. Aos latinos foram reservados alguns papéis subalternos, de empregados domésticos e colhedores de café. E mesmo entre estes, caso da protagonista, há alguns brancos, com traços europeus.

Uma novela que se passa num país pobre da américa latina, produzida por uma rede de televisão latina, com atores cujos maiores traços são brancos. Pessoas brancas de olhos azuis. Quem vê a novela pensa que as populações colombiana e mexicana é formada apenas por pessoas de olhos claros.

Quem vai à Argentina tem a mesma impressão, caso se hospede nos melhores bairros da cidade. A classe média é toda europeia, a cidade tem traços europeus, as pessoas ditas educadas são todas descendentes de italianos e espanhóis. Qualquer desavisado que lá chegue tem a impressão de que não havia indígenas naquelas terras. É porque estão todos jogados nas favelas das grandes cidades, como acontece no Brasil.

Por aqui é a mesma coisa. Qualquer pessoa que chegue nos bairros mais ricos de qualquer cidade tem a impressão de que nossa população é majoritariamente branca, loira, de olhos coloridos. Nos shoppings mais chiques, contam-se nos dedos os pretos entre os visitantes. Há alguns limpando as mesas das praças de alimentação.

Nas melhores faculdades particulares, como o Mackenzie, onde estudei, tem-se essa mesma impressão. Nos cinco anos que passei por lá, convivi com colega aluna negra, alguns pouquíssimos pardos e com nenhum professor negro.

Eu mesmo sofri preconceito por ser pobre e nordestino. “Ah, você era chato; você pedia aos outros para calarem a boca, para prestar atenção às aulas”. Engraçado, ouvi muitas outras pessoas fazerem isso, entre os colegas da mesma idade da maioria dos alunos bem-nascidos, a Ana Rachel, a Amália, a Flávia Cu de Burro. Nenhum deles sofreu bullying.

Será que eu seria considerado chato caso fosse um paulistano branco da gema, de dezessete anos?

No fundo, a frase “você era chato” não passa de uma outra forma de dizer “você não pertence a este lugar, você não tem direito de se manifestar; a gente até te tolera aqui, mas não venha dar uma de igual a nós, não”.

Ah, isso é coisa da sua cabeça, menino. Sei, bem coisa da minha cabeça mesmo. A quem pensa assim sugiro assistir a “Que horas ela volta”, para entender como pensa de verdade a classe média alta deste país.

Essa mesma classe média é muito a favor de igualdade, desde que ela seja mais igual do que os outros. A doméstica na poltrona do avião ao meu lado, viajando para a Disney, aí já é demais. Aeroporto com cara de rodoviária? Nem pensar! E pobre na faculdade, ainda mais numa faculdade de elite, ainda por cima se achando no direito de se manifestar, de comentar, de perguntar, de participar das aulas, de dar opiniões, de se comportar como se fosse um de nós? Aí já é demais.

Não é porque um nordestino está na Presidência do Brasil que vamos tolerar isso aqui. Até toleramos, na cota, como subalterno, conhecendo seu lugar, caladinho, nas últimas fileiras, se comportando com discrição, na dele. Mas falar aqui não. Você não tem lugar de fala aqui, entendeu?

Nossa, já passei tanto por isso. Tantas vezes, desde sempre. Marcos, dizendo direto na minha cara que me achou metido, entrão, muito à vontade no salão do reino. “Quem é esse paraibano metido a besta?” Por que eu era metido a besta? Por ser paraibano, claro. Se todos achassem, como no mundo ideal de Bridgerton, que eu tinha direito de estar ali e de falar como qualquer outro, eu não seria considerado entrão nem chato.

Eu sou o chato, o que reclama, o que dá sua opinião, o que se manifesta. Todos dizem isso. Eu sou chato mesmo, admito-o. E não tenho a menor dúvida de que parte dessa minha chatice se deve ao fato de que muitos à minha volta não consideram que eu tenha lugar de fala em determinados lugares.

É por isso que ainda insisto em querer ser juiz. Será que quando eu for um juiz federal as pessoas vão pensar que eu tenho direito a me manifestar, que eu posso falar, que eu posso reclamar, como qualquer pessoa normal? Será que vale a pena entrar nessa apenas para isso?

Será que no fundo não sou mesmo eu que tenho baixa autoestima (ou baixa estima, como dizia minha antiga terapeuta, hahahaha…), que me sinto diminuído e por isso entendo qualquer atitude dos outros como um ataque só por ser eu pobre, feio, nordestino, bicha?

Ou será que tenho razão? Veja Anitta, uma mulher jovem, bonita, rica, famosa, poderosa, parda, toda empoderada, divulgando que em sua festa de aniversário as pessoas vão poder se divertir e fazer sexo. Ela mesma é uma adepta conhecida das práticas sexuais, como qualquer mulher liberada e poderosa, dona de si mesma. Mas nos comentários sobre a matéria que trata disso, a maioria das pessoas a critica porque ela se atreve a dizer isso, porque ela não se dá ao respeito, porque ela não valoriza a mulher brasileira lá fora. “É por isso que toda mulher brasileira fora do país tem fama de puta.”

Engraçado, eu nunca vi ninguém dizer ao Neymar que ele tem que se dar ao respeito. Ninguém fez esse tipo de crítica quando ele contratou uma prostituta no Brasil e pagou as despesas dela para que fossem trepar com ele em Paris.

Ninguém acha que um homem jovem, rico, bonito, famoso, tem que se dar ao respeito e não sair por aí trepando com qualquer uma. Mas uma mulher, sim, tem que se valorizar, tem que se dar ao respeito, tem que se preocupar em não piorar as reputações de outras de seu mesmo gênero fora do país, tem que falar sobre assuntos sérios nas entrevistas.

Eu acho que a Anitta tem todo o direito de trepar com quem ela quiser, quando e onde quiser, na hora que quiser e de falar sobre isso sempre e quando quiser, se quiser, como qualquer pessoa. Eu não gosto de sair por aí revelando minhas intimidades, mas se ela gosta, tem todo o direito de fazer isso.

E toda pessoa com mais de dois neurônios (tenho a pretensão de me incluir entre esses) sabe que aquilo é uma personagem, que a Larissa mesmo é uma mulher inteligente, grande empresária, que encontrou uma forma de ganhar muito dinheiro.

“Falem mal, mas falem de mim”. É impressionante como isso é verdadeiro, ainda mais no mundo da internet hoje em dia. Desde que haja muitas pessoas falando de alguém, isso significa engajamento, poder e dinheiro.

Manda ver Anitta.

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